PARÓQUIA DE CAÍDE DE REI

E porque somos de Caíde…

O Mandamento de Pedro

São Pedro deixou-nos um único mandamento. Quando a Igreja acabada de nascer foi entregue a Simão Pedro, todos os mandamentos estavam já bem estabelecidos e divulgados. A Igreja era novinha, mas há muitos milénios que Deus vinha revelando a Sua lei aos homens. Assim, quando a Igreja passou para as mãos de Pedro, já tudo estava estatuído. A ele, competia-lhe apenas executar. Mas, apesar disso, o primeiro Papa deixou-nos um mandamento, o quinto mandato da humanidade.

Moisés recebeu os Dez Mandamentos no Sinai e, com eles, a totalidade da lei de Deus (Ex 20, 1-17). Esse foi o primeiro mandato da humanidade. Depois, no momento supremo da Última Ceia, o Senhor trouxe o mandamento novo, o único que faltava para fazer a Nova Aliança: «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Assim como eu vos amei, amai-vos uns aos outros. Todos saberão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 34-35). Assim nasceu a Igreja. Nessa altura, já o mandamento da Igreja estava formulado há muito por Nossa Senhora: «Fazei tudo o que Ele vos disser» (Jo 2, 5). No momento da partida do Senhor, ficou definido o quarto mandato, o mandamento da missão, que definiu a função da Igreja: «Ide, fazei discípulos de todas as nações» (Mt 28, 19).

Estes são os quatro mandatos que a humanidade recebeu directamente de Deus. Mas há um quinto.

Um mandamento simples, directo, amável e humilde, como Pedro sempre foi. O pescador de homens tinha só uma coisa a mandar-nos: «Estai sempre prontos a dar conta da Esperança que está em vós a todos os que vos peçam uma explicação, mas com mansidão e respeito» (1 Pe 3, 15-16). Foi esta a ordem que nos deu o capitão da barca.

Foi esta a ordem que recebemos, não por sermos criaturas de Deus (isso são os Dez mandamentos), não por sermos filhos de Deus (isso é o mandamento novo), não por sermos filhos de Nossa Senhora (isso é o Mandamento de Maria), não por sermos membros da Igreja (isso é a missão da Ascensão) – este é o mandamento que recebemos por sermos catecúmenos do pescador da Galileia e discípulos de Roma.

São Pedro, no seu mandamento, fala daquele facto que lhe mudou a vida. Pedro nunca esqueceu o quarto mandato, aquele que lhe traçara o destino. Sempre cumprira os mandamentos da lei, sempre amara os seus irmãos e sempre seguira a ordem da Senhora, fazendo o que Jesus dissera. Mas foi naquele último momento que, de olhos no céu, recebeu a missão da sua vida: «Ide».

O Senhor, olhando para eles no momento de partir, tinha-lhes dito: «Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo quanto vos mandei. E eis que estou convosco, todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28, 19-20). «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem acreditar e for baptizado será salvo. Mas quem não acreditar será condenado» (Mc 16, 15-16). «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ao terceiro dia ressuscitar dos mortos e, começando por Jerusalém, em seu nome seria anunciada a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois testemunhas disso». (Lc 24, 46-48). «Assim como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós» (Jo 20, 21).

São Pedro, como os outros Apóstolos, recebera essa missão naquele dia, naquele último momento. E a partir de então a sua vida confundira-se com ela. Não pensava noutra coisa, não falava noutra coisa, não vivia outra coisa. Por isso o seu mandamento tinha de ser sobre a missão do Senhor. Mas o mandamento de Pedro não é o da missão. Essa tinha-a definido o Senhor pessoalmente. Todos a receberam então, como todos a recebem hoje, directamente d’Ele. Foi Ele quem disse: «Ide, fazei discípulos, baptizando». Pedro, tal como os outros, ouvira da Sua boca o mandamento, que fora dado para todos os tempos. Pedro não precisou de chamar para a missão. O seu Senhor já o fizera. Não era ao pescador que competia enviar.

Pedro, apesar do primado, Pedro, precisamente por causa do primado, sabia bem o lugar que lhe competia e a distância que o separava de Cristo. Ele é o Vigário de Cristo na Terra. Ele é o Vigário e Cristo é o Senhor. «O discípulo não é mais do que o mestre, nem o servo está acima do Senhor» (Mt 10, 24). É o Senhor quem convida e ordena a missão. A Pedro competia-lhe tão só transmitir a mensagem. A mensagem deste como dos outros mandatos.

Foi o Senhor quem ordenou a missão. Foi o Senhor quem lhe definiu o conteúdo, estabeleceu os locais, esclareceu a função, detalhou as tarefas. Foi o Senhor quem disse que devemos fazer discípulos, baptizar, ensinar a observar, anunciar o Evangelho, proclamar a conversão, conceder o perdão. É isso o que nos manda o quarto mandato. É este o mandamento da Igreja, o mandamento que faz de nós Igreja.

Esse mandamento traz consigo um dom extraordinário. Esse mandamento, o mandamento da Ascensão, o mandamento da missão, traz consigo o dom da identificação. O primeiro mandamento, os Dez Mandamentos, ofereceu-nos a pertença ao povo de Deus; o mandamento novo deu-nos a filiação divina, o mandamento de Maria concedeu-nos a transformação da nossa água no vinho do Senhor. Mas o quarto mandamento, o mandamento da missão, trouxe consigo o dom da identificação. Pela missão Cristo concedeu-nos identificar-Se a Si mesmo com a Sua Igreja. «Quem vos recebe, a mim recebe, e quem me recebe, recebe aquele que me enviou» (Mt 10, 40). «Quem vos ouve a mim ouve, e quem vos rejeita a mim rejeita, e quem me rejeita também rejeita aquele que me enviou» (Lc 10, 16).

Assim, quando a Igreja passou para as mãos de Pedro, já tudo estava estatuído. Já pertencíamos ao povo de Deus, já éramos filhos de Deus, já éramos filhos de Sua Mãe e até já Cristo se identificara connosco. A Pedro competia-lhe apenas executar. Era essa a missão que recebera e a sua vida confundiu-se com ela. Mas, apesar disso, Pedro, a pedra, deixou-nos um mandamento.

Esse mandamento só podia ser sobre a missão. A missão absorveu-o completamente todos os anos da sua vida. Foram anos de experiência, foram anos de experiências. Anos de sucessos maravilhosos e também de tristes fracassos. Sucessos maravilhosos como o cego da Porta Formosa (Act 3), o paralítico Eneias (Act 9, 32-35), a defunta Tabita (Act 9, 36-43), o centurião Cornélio (Act 10), os discípulos Silvano e Marcos (1Pe 5, 12-13). Mas também tristes fiascos como o do avarento Ananias e da sua mulher (Act 5) ou do mago Simão (Act 8, 9-24). Anos de experiência e anos de missão. Foi deles que nasceu o mandamento de Pedro.

O Senhor ordenara a missão, definira o conteúdo, os locais, a função, as tarefas. A Pedro só restava estabelecer a forma, a atitude. Foi a partir dos seus anos de experiência que ele definiu a forma, a atitude da missão. E, a partir dos anos de missão, São Pedro tinha apenas uma coisa a ordenar aos seus discípulos: «Estai sempre prontos a dar conta da Esperança que está em vós a todos os que vos peçam uma explicação, mas com mansidão e respeito». Da missão nascia a forma, a atitude. E ela era esta. Forma simples e directa. Estar sempre pronto, provocar uma explicação, dar conta, com mansidão e respeito. Atitude muito simples e directa, como ele próprio era. É isso que Pedro nos quer dizer. «Estai sempre prontos a dar conta aos que vos peçam uma explicação com mansidão e respeito».

Dar conta de quê? Uma explicação para quê? Pedro, no seu mandamento, não falou da Fé (essa veio com os Dez mandamentos), não referiu a Caridade (essa é o mandamento novo), não citou a Prudência (isso está no mandamento de Maria), não mencionou a Justiça (essa constitui a missão da Ascensão). Pedro não nos pede para darmos conta da Fé, da Caridade, da Prudência ou da Justiça. Dessas temos nós de falar pelos outros mandamentos que recebemos. Mas a Igreja, quando nasceu, nasceu mergulhada em algo que exige uma explicação. Há uma coisa na Igreja que ninguém mais no mundo tem. Há uma coisa na Igreja que suscita espanto, gera uma interrogação e pede uma explicação. A Igreja vive a partir de algo, algo de que temos de dar conta. A Igreja, ao andar, escorre Esperança.

Pedro aqui não falou da Fé, da Caridade, da Prudência ou da Justiça. São Pedro falou da esperança, da Esperança que há em nós e que nasceu da missão que ele recebera, da missão que se confundia com a sua vida. O mais estranho para o mundo, nessa missão, aquilo em que a missão mais o surpreende, é a Esperança. É o facto de os enviados de Cristo irem cheios de esperança.

A missão de Pedro era dar conta da Fé, da Caridade, da Prudência e da Justiça. Da Fé que há em nós, da Caridade que há em nós, da Prudência e da Justiça que há em nós. Mas no seu mandamento, no mandamento sobre a forma, a atitude da missão, Pedro falou da Esperança. Da esperança que há em nós. Ao longo dos séculos, a Igreja seguiu de perto o mandamento de Pedro, o mandamento do primeiro Papa. A Igreja aprendeu que aquilo que mais interrogações suscitam no mundo, aquilo que mais explicações exigem naqueles que nos ouvem é a Esperança. Eles sabem que somos pessoas de Justiça e de Prudência, que somos pessoas de Fé e de Caridade. Mas o que mais surpreende é que sejamos pessoas de Esperança. O que mais os surpreende é que, no meio da rotina diária, no meio dos sofrimentos do dia-a-dia, sejamos pessoas de Esperança. É acerca disso que mais nos pedem explicações. É disso que temos de estar sempre prontos a dar conta.

Mas alguns na Igreja esqueceram o mandamento de Pedro. Alguns acharam que os outros quatro mandatos chegam e esqueceram o quinto, esqueceram o mandamento de Pedro. Aceitaram a missão, mas esquecera a forma e a atitude da missão. Nem todos na Igreja seguiram Pedro. Nem sempre cumpriram este mandamento. Alguns, os piores, perderam a Esperança. Esses saíram da Igreja. Mas também houve os que guardaram a Esperança mas perderam o mandamento. Esses, que ainda pertencem à Igreja, são de três tipos. Os primeiros foram o que se esqueceram da mansidão e do respeito. Deram conta da sua Esperança, mas sem mansidão e respeito. Outros, pior, por excesso de mansidão e respeito, por estarem demasiado próximos do mundo, esqueceram-se de dar conta da Esperança que há neles. Finalmente outros, pior de tudo, viveram de forma tão banal, de maneira tão comum que ninguém se sentiu na necessidade de lhes pedir uma explicação. Não mostrando nenhuma diferença em relação aos outros, não revelando nenhuma Esperança em si mesmo, não suscitaram nenhuma explicação. Muitos discípulos de Pedro não chegaram sequer a criar a interrogação. Esses perderam a missão. Esses deixaram de ser discípulos de Pedro.

Porque ser discípulo de Pedro é mostrar muita Esperança.
Eu tenho Esperança…
E tu?